quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Trem dos Órfãos

Autor: Christina Baker Kline

Tradutor: Júlio de Andrade Filho

Gênero: Romance histórico/Ficção
Editora: Planeta
N° de Páginas: 304



"Aprendi há muito tempo que a perda não é apenas provável, mas inevitável. Sei o que significa perder tudo, sei o que é abrir mão de uma vida e encontrar outra."





          Quando você é um órfão problemático.. redefinindo: quando você é um órfão, muitas vezes, tem de lidar com trocas de famílias. Isso porque muitos dos que se candidatam a ser pais não estão preparados de fato para lidar com toda a responsabilidade que isso envolve, ou estão apenas interessados no dinheiro dado pelo governo para a "manutenção" dessas crianças. E, quando você é um órfão num período de guerra ou crise, sua única opção é ser bonito, quando bebê, e útil, quando mais velho. Essa é a história de Molly, uma garota órfã, que não está se dando muito bem com sua nova família adotiva. Como não havia se dado com a anterior, afinal, não se pode confiar nos adultos. Acontece que dessa vez ela queria desse certo. Estava prestes a se tornar maior de idade, e também tinha seu namorado, que ela não fazia ideia de porque gostava dela. Molly, como muitos adolescentes, resolveu usar a máscara de gótica [claro que para muitos também não existe isso de "é só uma fase"... há os que adotam o estilo para a vida..] para conseguir alguma autoconfiança para continuar com sua vida. 

          Sua nova 'mãe' não a aceita e quer devolvê-la [isso mesmo: essa está com defeito, quero trocar..]. Já seu novo 'pai' é um ser mais pacífico, beirando a passividade. Molly teve que se tornar muito independente, até mesmo desconfiada. Tem uma paixão por literatura, e é essa paixão que a faz se meter na encrenca que faz as engrenagens dessa história começarem a girar. Molly quer muito um livro, mas não tem o dinheiro pra comprá-lo, e não quer incomodar ninguém com isso. Então, ela tenta furtar um exemplar da biblioteca e é pega. Como castigo ela tem que fazer serviço comunitário, uma alternativa ao reformatório. Seu namorado [em geral não sou boa com nomes.. ??] a ajuda, oferendo um serviço na casa onde sua mãe trabalha. O serviço é ajudar uma senhora idosa a limpar o sótão de uma vida inteira de lembranças [impressionada até agora em como ela guardou certas coisas..].




          Vivian Daly é uma senhora de 91 anos de idade e muitas histórias pra contar. Ela é uma senhora calma e contida, do tipo que bebe chá e veste rosa claro. Meio desconfiada, Molly começa seu trabalho para cumprir as cinquenta horas requeridas. Acontece que remexer em coisas antigas traz lembranças, que nem sempre boas. Aqui entramos no mundo de Vivian. A família de Vivian era irlandesa, e haviam imigrado para os EUA em busca de melhores condições. Isso, claro, em geral costuma ser uma ilusão. Eles enfrentaram o porão de um navio e sobreviveram [isso deveria ficar nas ficções.. triste realidade, ainda atual..]. Em 1929, vivendo em um cortiço imundo, Vivian, então Niamh ['Pronuncia-se “Ni-iv”.'] cuida de seus irmãos, enquanto seu pai bebe todo o salário, e sua mãe definha. Um incêndio mata toda sua família, deixando Niamh ao encargo de um orfanato. 



          Partindo agora para uma realidade ocorrida nos EUA, entre 1853 e 1929, temos um programa que buscava "desinchar" as cidades, que estavam superlotadas devido a industrialização e imigrações. Os órfãos, crianças abandonadas e afins, eram então enviados em trens para as áreas rurais. O trabalho era feito por instituições de "caridade", sendo a mais famosa a Children's Aid Society. Esse programa também tinha como objetivo retirar as crianças de famílias onde havia casos de abuso, e também evitar que estas ficassem nas ruas, iniciando-se na vida criminal. Parece exagero, mas a estimativa de crianças abandonadas em 1854, somente em Nova Iorque, era de 34 mil. Havia um responsável em cada localidade, por verificar o bem estar das crianças nos novos lares. Mas como bem representado no livro, os adultos raramente levam as crianças a sério [Desventuras em Série!!], ou querem se dar ao trabalho de fazer algo.






"Todas essas crianças enviadas em trens para o Meio-Oeste, recolhidas nas ruas de Nova York como lixo, aquele lixo que eles colocam nas barcas, e enviadas para o mais longe possível, fora da vista de todos."







          Essa prática perdurou até os anos 20, quando a Grande Depressão fez com que uma nova boca a alimentar se tornasse indesejável. E, é exatamente durante este período que Niamh é enviada em um trem, onde ela conhece Dutch [lembre-se dele..]. Ela está amedrontada e sente falta da família. Mas viaja de estação em estação, para ser avaliada como um cavalo pelas famílias adotantes. Ela é uma das últimas a ser levada, por ser velha demais e ainda por cima estrangeira [ruiva com sardas..]. Vivian passa a viver numa casa com costumes muito rígidos, pouca comida, e onde ela tem de trabalhar como costureira para sobreviver. Ela tem uns oito anos aqui, e uma autoconsciência invejável. Logo a crise chega a área rural. Já não há tantos pedidos de costuras. Vivian é então dispensada pela família, sendo levada para um novo lar. Aqui ela vive num lugar imundo e miserável, com um monte de crianças sujas e uma mulher grávida meio louca. Quase é estuprada pelo novo 'pai', foge para a casa de sua professora, e encontra um lar de verdade lá. Porém isso não dura. Logo ela tem de partir, mas dessa vez para ficar. Daqui em diante é mais sobre romance e sobre a Molly. 




          O contexto histórico é a parte mais impressionante deste livro, pois a história de Vivian poderia ser a história de muitas crianças estadunidenses. Crianças que eram postas para trabalhar muito cedo, que sofreram maus-tratos e/ou abusos, e que não tiveram o amor de uma família. Antes delas chegarem nos trens, eram postos cartazes com avisos, à procura de lares. O uso de propaganda e sua efetividade ainda hoje me surpreendem. Apesar das dificuldades, muitos sobreviveram, e alguns participam de encontros anuais que viraram uma tradição, para trocar experiências e contar suas histórias.


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C.P.: E o que posso dizer?? Livros com fundo histórico muito me interessam. Principalmente porque andei pesquisando sobre os conceitos de infância e sobre trabalho infantil. Isso por conta de um trabalho sobre Dickens, que foi um grande crítico do trabalho infantil em sua época. Houve um tempo em que crianças não tinham esse "status". Elas eram vistas como pequenos adultos, iniciando a vida no trabalho aos cinco anos de idade, com cargas horárias monstruosas de mais de 12 horas diárias. Aí você pensa: "Nossa, Idade Média isso!" Não, séculos XVIII, XIX, plena Revolução Francesa, Era Vitoriana, com chá das cinco e vestidos volumosos. Em geral, minha revolta fala mais alto. Conhecer o passado para não repeti-lo é essencial!!


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