quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Café

          Deixe-me contar uma história. Era uma vez uma garota triste em um mundo sombrio. Ela via a vida passar, mas se sentia isolada, como que numa dimensão à parte. Vivia sozinha, e era assim que se sentia. A solidão lhe pesava, às vezes, não tanto quanto supunham as pessoas do outro lado do vidro. Gostava do silêncio calmo, de poder aproveitar um bom livro, ou um bom livro ruim. As demais pessoas não a entendiam, e nem ela lhes devia satisfação. Gostava de sua bagunça e coisas jogadas por toda a sala. Sabia onde encontrar tudo de uma maneira fácil e bem estruturada, e o melhor de tudo, sabia que não estava tentando manter uma sala "impressionável".

          Há muito abandonara as expectativas das pessoas a seu redor, tanto de amigos, parentes ou dos sugadores da felicidade alheia. Alheia. É como se sentia, alheia ao mundo ao redor. Desligada de suas correrias sem sentido, suas buscas egoístas, seus desejos medíocres. E mais de uma vez teve que respirar fundo e tentar não julgar as pessoas. Cada um tem seus motivos, e toda uma vida que os molda como são. Contudo, sentada em seu sofá gasto, confortável, ela olhava desesperançada para uma multidão de passantes. Todos muito sérios, muitos certos de suas vidas. Carregando suas maletas muito bem seguras, dentro delas todo o seu orgulho fútil. Passavam velozes, correndo pela vida, sem parecer notar que o ponto de chegada é sempre a morte.

          Sentada, tomando o santo líquido que a manteria desperta e capaz de aguentar mais um dia de chateações: café. Em meio aos papéis jogados e ao lixo de alguns dias, semanas... profundas olheiras, advindas de mais uma noite insone. Tanta coisa na cabeça. Tantos sonhos e problemas, tudo misturado. Já nem sabia mais se ainda queria seguir em frente. Uma velhinha para na rua, indecisa sobre qual caminho seguir. Ela tenta parar um dos transeuntes: "Não está vendo que estou falando no telefone?!". A garota o imagina dizer, enquanto ele se afasta apressado. Um dia, talvez, ele descubra que há coisas mais importantes que uma ligação. Que parar um momento para ajudar uma alma necessitada pode ser a única coisa da qual ele não se arrependerá no fim de sua vida fútil.

          O cabelo preso num coque bagunçado, a roupa larga, velha e confortável de dormir. Julgamentos. Toda a pressão de estar "apresentável" recai sobre ela. "Vista essa roupa!", "Essa é muito curta!", "Essa faz você parecer velha.", "Muito sombria.", "Colorida demais!". E mais uma infinitude de bobagens desnecessárias. A fumaça sobe, rodopia, trazendo o aroma agradável do café. Nas ruas a fumaça destruidora dos veículos. Um carro buzina. Uma mãe descuidada arrasta uma criança assustada e soluçante do meio da rua. Atenção sempre! Estamos ligados vinte e quatro horas por dia, sem descanso. Até quando dormimos somos dominados por sonhos ruins, resultado de mais um dia estressante. Mais alguns minutos e ela criará coragem e se levantará para ir trabalhar. Mais um pouco de coragem e ela largará o emprego ruim e irá em busca do que realmente gosta. Mais um esforço grandioso, vindo do fundo da alma, de seus desejos mais revoltados por terem sidos subjugados por tanto tempo, a farão se levantar para a vida, indo em busca da única coisa que nos move a todos: os sonhos.

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