segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Os Castrati

Um castrato é um cantor masculino com extensão vocal plenamente correspondente ao da voz feminina, seja soprano, mezzo-soprano ou contralto. Para obter tal voz é necessário uma operação de corte dos canais provenientes dos testículos, ou um problema endocrinológico que impeça a maturidade sexual [não ocorrendo a mudança de voz própria da adolescência, ou seja, o crescimento da laringe]. Assim, a castração ocorria antes da puberdade ou em sua fase inicial. Ao chegar a idade adulta os castrati tinham a capacidade pulmonar desenvolvida, mas não sua laringe, adquirindo uma voz de tessitura única.

A prática de castração ocorreu, principalmente, no século XVI na Itália, pela falta de vozes agudas nos coros das igrejas, uma vez que as mulheres estavam proibidas de participar pelas leis da Igreja Católica. [o Papa Sisto V aprovou na bula papal Cum pro nostri temporali munere, de 1589 o recrutamento de castrati para o coro da Igreja de São Pedro, em Roma]. Em 1625, todos os sopranos no coro da Capela Sistina eram castrati. Na época havia cerca de 4.000 castrati, com idades entre 7 e 9 anos. [a coisa era tão bizarra que fontes apontam que muitas barbearias napolitanas tinham na entrada a indicação "Qui si castrano ragazzi" - Aqui castra-se rapazes].

Na ópera a prática atingiu o auge nos séculos XVII e XVIII, quando os castrati passaram a ser vistos com prestígio e como símbolo de ascensão social. Os papéis principais eram escritos para castrati, como nas óperas de Handel. Hoje esses papéis são desempenhados por cantoras ou contratenores. Todavia, a parte composta para castrati de algumas óperas barrocas é de execução tão complexa e difícil que é quase impossível cantá-la. Em Nápoles, recebiam a sua instrução em conservatórios pertencentes a Igreja, onde lecionavam cantores de renome. Em 1780, no conservatório Onofrio Conservatório di Santi [Nápoles], o horário era esse: na parte da manhã, uma hora de canto com passagens difíceis, uma hora de literatura e uma hora de canto na frente do espelho [!?!]. A tarde, uma hora e meia de teoria de música, uma hora e meia de contraponto e improvisação e mais uma hora de literatura. Os castrati não tinham permissão para se casar ou cantar em igrejas luteranas.





O mais famoso castrato foi Carlo Broschi [1705-1782], mais conhecido como Farinelli. Castrado aos sete anos de idade, começou a cantar publicamente em 1720, em óperas de Nicolau Porpora, e da maioria dos compositores da época. No auge de sua forma vocal, cantou em Londres, aplaudido por sua agilidade, pureza tímbrica e bela sonoridade, podendo sustentar uma nota por mais de um minuto sem respirar. Farinelli morreu rico e gozando de enorme prestígio.






O último castrato, Alessandro Moreschi [1858-1922], conhecido como o Anjo de Roma, nasceu em uma grande família de Monte Compatri, e foi submetido a castração para curar-se de uma hérnia [os homens deveriam louvar a medicina moderna!!!], em 1865. Cantou durante os funerais de Napoleão III, interpretando a parte do soprano solista na Missa da Requiem de Verdi, em Ravenna. Vivia em Roma, na zona do Trastevere. Morreu solitário e esquecido [animador... principalmente para quem fez parte do coro da Capela Sistina]. Seu legado permanece na forma de dez obras gravadas entre 1902 e 1903, compostas especificamente para sua tessitura vocal. Essas gravações são o único registro do canto dos castrati. 

Por mais de trezentos anos a Igreja usou castrati em seus coros, e a música erudita em suas óperas. Essa prática foi definitivamente proibida em 1970 na Itália, único país a ainda utilizá-la na época. Em 1902, o Papa Leão XIII proibiu definitivamente o uso de castrati nos coros das igrejas.





C.P.: Mais uma prática bizarra da Igreja Católica. A cara do velho ao lado é meio assustadora. Adicionei dois dos registros vocais de Alessandro Moreschi [a qualidade não é muito boa, mas convenhamos que tem mais de um século].













7 comentários:

  1. Nossa!Super interessante,mas eu não tá NÃO sendo castrado não,consegui cantar a música de Alessandro Moreschi,não tive nenhuma dificuldade não,minha voz aguda fica ainda mais forte.O problema é que quem tem esses tipos de vozes agudas masculinas,sofre muito preconceito( deve saber néh!).E hoje em dia os cantores não possuem mais a qualidade de antigamente,e qualquer rima "ilegível" faz sucesso,outros cantores só são cantores por causa de auto tunes e melodyne.Me pergunto,porque o mundo permite esse tipo de mentira,uma corrupção.Muitas pessoas com talento,e esses cantores(Justin Bieber,Keshe,Katy Perry,Britney Spears,Selena Gomes,Demi Lovato e etc.)roubam o lugar de outras pessoas que tem talento melhor que eles...Devia ter um protesto e retirar esse cantores que não cantam...O mundo não quer avaliar a estética vocal do cantor de hoje,quer avaliar a estética corporal.Se é bonito,tá bom!!!Não concordo.....

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    1. Compreendo sua indignação com relação a esses supostos cantores, o problema é que hoje há muitos tolos que engolem tudo que a mídia vomita. Você deve ser realmente bom para conseguir cantar no mesmo tom que Moreschi, ele teve que passar por muita coisa, além de ostensivas aulas de canto.

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    2. A questão não é cantar agudo, o fato é que a igreja queria um timbre de voz "leve", "angelical", e, a voz masculina em falsete soa pesado (seria ideal as mulheres cantarem, corresponde ao timbre, mas, o tal papa proibiu!). Coro de crianças? Ixi já pensou na bagunça que ia ser? E o repertório seria muito restrito tecnicamente. Bom, diante de todos os "obstáculos", só restava mesmo castrar os meninos, assim eles continuariam com o timbre de voz leve e angelical, e, o repertório não perderia sua qualidade! Simples né...

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    3. As resoluções "simples" da Igreja me assustam..

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  2. Meu Deus, fico imaginando uma criança sendo castrada, imagine naquela época sem anestesia, algumas crianças podem até terem morrido, e imaginem só um menino depois disso vendo outros com o desenvolvimento diferente do seu, imaginem o trauma e a sensação de de não ter a quem recorrerem, a não ser cantar pois não tinham pra onde ir.
    Nada mais se podia esperar de uma instituição criada por homens, mais precisamente pelo Imperador Constantino e gentilmente apelidada de "igreja"de Deus.

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    1. Imagino que à época havia ao menos morfina ou algo do tipo como anestésico. E naquela época vivia-se para a Igreja, portanto não havia outro destino para eles, além disso eles viviam em prol do canto, assim não teriam contato com a população em si. De qualquer forma é uma prática abominável, somente praticável por seres tão abomináveis quanto..

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  3. Sim. No filme do farinelli aparece ele de molho no leite de babosa. Para cicatrização

    Sou contratenor <3

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