domingo, 23 de setembro de 2012

A Lenda de Narciso

 De acordo com a mitologia grega, Narciso era um belíssimo rapaz, nascido do deus-rio Céfiso e da ninfa Liríope. Quando de seu nascimento seus pais consultaram o oráculo cego, Tirésias, que na luz de sua escuridão previu: "Narciso terá vida longa, contanto que nunca se conheça". Nem mesmo os mais sábios conseguiram decifrar o enigma dessas palavras, assim a previsão foi esquecida. Narciso cresceu belo e assediado pelas ninfas, das quais fugia entretendo-se com jogos de caça, sem se importar com o sofrimento das paixões não correspondidas.

Um dia, cansado da jornada, quedou-se na relva a beira de um lago e, inclinando-se afim de beber, deparou-se com o reflexo perfeito do próprio rosto, coisa que nunca vira antes em toda sua vida [espelhos deviam ser raros a época...]. Nas palavras de Ovídio, tal foi sua reação:
"... o rosto fixo, absorvido com esse espetáculo, ele parece uma estátua de mármore de Paros. Deitado no solo, contempla dois astros, seus próprios olhos, e seus cabelos, dignos de Baco, dignos também de Apolo, suas faces imberbes, seu pescoço de marfim, sua boca encantadora e o rubor que colore a nívea brancura de sua pele. Admira tudo aquilo que suscita a própria admiração. Em sua ingenuidade, deseja a si mesmo. A si mesmo dedica seus próprios louvores. Ele mesmo inspira os ardores que sente. Ele é o elemento do fogo que ele próprio acende. E quantas vezes dirigiu beijos vãos a onda enganadora! Quantas vezes, para segurar seu pescoço ali refletido, inutilmente mergulhou os braços no meio das águas. Não sabe o que está vendo, mas o que vê excita-o e o mesmo erro que lhe engana os olhos acende-lhe a cobiça. Crédula criança, de que servem estes vãos esforços para possuir uma aparência fugitiva? O objeto de teu desejo não existe. O objeto de teu amor, vira-te e o farás desaparecer. Esta sombra que vês é um reflexo de tua imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e persiste, e tua partida a dissiparia, se tivesses coragem de partir."

Narciso, preso por seu reflexo, permaneceu deitado. Sem comer ou beber, nem mesmo dormia para não se afastar um segundo de sua imagem refletida no lago. Assim definhou e morreu, de fome e sede e exaustão, aquele que somente amou a si mesmo. Nem mesmo morto teve paz: continuou sua contemplação nas margens do rio Estige, no reino de Hades. Na superfície, as ninfas queriam lhe prestar as homenagens fúnebres, mas seu corpo desapareceu, deixando em seu lugar a flor branca e amarela que hoje conhecemos por seu nome.

Na versão de Oscar Wilde há um final diferente. Ele diz que quando Narciso morreu, vieram as as deusas do bosque [Oréiades], e viram o lago transformado, de um lago de água doce, num cântaro de águas salgadas.
— Porque choras? — Perguntaram as Oréiades.
— Choro por Narciso. — disse o lago.
— Ah, não nos espanta que chores por Narciso — continuaram elas. — Afinal de contas, apesar de todas nós sempre corrermos atrás dele pelo bosque, tu eras o único que tinha a oportunidade de contemplar de perto a sua beleza.
— Mas Narciso era belo? — Perguntou o lago.
— Quem mais do que tu poderia saber disso? — responderam surpresas, as Oréiades. — Afinal de contas, era nas tuas margens que ele se debruçava todos os dias.
O lago ficou algum tempo silencioso. Por fim disse:
— Eu choro por Narciso, mas nunca tinha percebido que Narciso era belo. Choro por Narciso, porque todas as vezes que ele se debruçava sobre as minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, a minha própria beleza refletida.
[passagem que consta no prólogo do livro O Alquimista, de Paulo Coelho].



 


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